O
INSÓLITO PRESENTE NO LIVRO ENTREVISTA COM O VAMPIRO: UMA BREVE ANÁLISE
Letícia Maria de Godoy
(Bolsista PIBIC- UENP/G-CLCA/UENP-CJ)
Resumo
Os seres sobrenaturais sempre
estiveram presentes nas produções literárias no decorrer da história da
humanidade. Visando este fato, temos por objetivo
analisar a obra da escritora Anne Rice, o famoso livro Entrevista com o vampiro (1992)
a fim de identificar a presença do insólito na obra analisada para,
posteriormente, classificá-lo em maravilhoso, realismo mágico ou fantástico.
Para tanto, partimos de pesquisas bibliográficas para respaldar nossa análise
que revelou que o livro contém indícios que remetem ao realismo mágico.
Palavras-Chave:
Insólito. Realismo Mágico. Entrevista com o Vampiro.
Introdução
Os seres sobrenaturais sempre estiveram presentes nas produções
literárias no decorrer da história da humanidade, podemos perceber isto pelo
fato de que o insólito é identificado em muitas obras da antiguidade e assim
foi necessário, através de teorias literárias, classificá-lo, pois os aspectos
insólitos não ocorrem da mesma forma em todas as obras que apresentam algum
acontecimento ao qual podemos chamar de insólito.
Este modo de fazer literatura, isto é, que recorrem a acontecimentos um
tanto quanto fora da realidade, vem trabalhando com a
imaginação das pessoas no decorrer da história, fazendo-as se questionarem se
tais fatos poderiam ser reais ou não. Tais questionamentos acabaram seduzindo
alguns estudiosos que, na tentativa de melhor compreender esses acontecimentos
na literatura, distinguiram, dentre esses acontecimentos insólitos, aos quais
caracterizam como modos literários, denominando cada modo, a partir de certas
particularidades, em realismo mágico, o fantástico e o maravilhoso.
Neste contexto, nosso objetivo aqui é identificar
qual desses modos literários pode ser aplicado ao romance Entrevista com o vampiro (1992), de Anne Rice.
Quanto à estrutura deste documento, no decorrer
do mesmo apresentaremos primeiramente as teorias acerca do insólito para, em
seguida, apresentarmos a análise propriamente dita. Para tanto, respaldamos
nossa análise em pesquisas bibliográficas que nos revelaram que o livro
apresenta fortes indícios do realismo mágico.
Insólito: breves definições
Podemos compreender que o insólito é tudo aquilo que destitui as
expectativas do leitor que tem como referência sua realidade vivenciada em seu
universo racional, ou seja, aquilo que foge à ordem e à lógica que se é
estabelecida no convívio social. O insólito é caracterizado por ser algo não
habitual, que não é “normal”, mas sim extraordinário, podendo ser criado
através de fatos sobrenaturais ou acontecimentos/eventos aparentemente
inverossímeis. Estes acontecimentos, por sua vez, podem causar a surpresa ou a
decepção ao senso comum.
O
insólito, que não é um gênero literário, mas sim um modo de fazer literatura,
tem despertado o interesse dos pesquisadores desde o século XIX, o que torna
tais estudos bastante recentes e um dos principais intuitos destas pesquisas é
poder explicar e conceituar o que vem a ser insólito na literatura.
Em
relação ao insólito na literatura, ainda existe uma discussão sobre a ordem
histórica do surgimento das teorias de classificação, mas é possível
identificar três aspectos do insólito, sendo estes o realismo mágico, o fantástico
e o maravilhoso.
No que
se entende por maravilhoso, podemos observar que neste modo literário o
insólito é aceito como uma verdade absoluta e incontestável, ele não tenta
encobertar os eventos insólitos, não tenta lhes atribuir qualquer
credibilidade, simplesmente nos remete ao insólito como natural. Na Idade Média
em especial, ele compôs um gênero literário, pois agregava os anseios e
concepções de uma sociedade que, de fato, acreditava na divisão de um mundo
onde se existiam o natural e o sobrenatural, tendo o segundo uma grande
aceitabilidade como verdade inquestionável (online,
GARCÍA).
Esta falta de questionamento do leitor em relação ao insólito,
aceitando-o de forma tão natural, deve-se a forma como a sociedade era
hierarquizada, e assim o maravilhoso, como todo gênero literário, é o reflexo
da imaginação daquela época onde se construiu uma realidade em que duendes,
fadas, bruxas, magos, monstros, objetos mágicos, santos, demônios e tantos
outros inclusos no bestiário medieval fossem aceitos pelo homem sem
estranhamento. ( online, GARCÍA)
Podemos
observar, a partir da
visão de Filipe Furtado a respeito do maravilhoso, que:
Assim sendo, pode-se concluir que há um texto “honesto”, cujo
receptor aceita a manifestação do insólito como uma constante de verdade. No
Maravilhoso, não se verifica sequer a tentativa de fazer passar por reais os
acontecimentos insólitos e o mundo mais ou menos alucinado em que eles têm
lugar. Estabelece-se, deste modo, com o que um pacto tácito entre o narrador e
o receptor do enunciado: este deve aceitar todos os fenômenos nele surgidos de
forma apriorística, como dados irrecusáveis e, portanto, não passíveis de
debate sobre sua natureza e causas. (FURTADO, 1980, p. 35).
Para Tzetan Todorov (1982), o maravilhoso é um ”gênero irmão” do
fantástico. Ele nos mostra, através de suas explicações, a existência de outros
tipos de narrativa que fazem parte do maravilhoso, sendo elas o maravilhoso hiperbólico, em que a
narrativa busca enaltecer os fenômenos que nos poderiam ser familiares,
exagerando, assim, nas proporções reais; o maravilhoso
exótico, onde a narrativa expõe o sobrenatural sem gerar nenhuma dúvida,
pois busca transmitir a ideia de que o leitor não conhece as regiões onde a
história ocorreu; o maravilhoso
instrumental, no qual é descrito objetos engenhosos irrealizáveis para a
época, mas que depois de tanto tempo, seriam perfeitamente possíveis; e o maravilhoso cientista, que atualmente é
conhecido como ficção científica, onde o sobrenatural é explicado por
leis que a ciência contemporânea ainda desconhece, este seria próximo do
Fantástico.
Na
concepção de Irlemar Chiampi (1980), o maravilhoso é
visto como a construção de uma realidade em que não se separa o objetivo e o
sensitivo, pois “de um lado, o maravilhoso aparece como produto da percepção
deformadora do sujeito, de outro como um componente da realidade” (CHIAMPI,
1980, p.34).
Assim, podemos perceber que não existe somente uma definição para o
maravilhoso, mas que este modo literário baseia-se em fazer com que a imaginação
das pessoas seja explorada, buscando dentro deles os seus
maiores desejos, desejos de que tais eventos insólitos pudessem, de fato, ser
reais.
Quanto ao fantástico, ele é caracterizado por apresentar uma narrativa em
que existem fatos que geram dúvidas, fatos que aparentemente não podem ser
explicados, causando o estranhamento do leitor. Visa trabalhar com a dúvida, a
incerteza e dura apenas um instante, no qual ocorre a vacilação em que o
personagem e o leitor devem optar por acreditar no sobrenatural ou não.
Devemos levar em consideração que o fantástico tem uma vida perigosa e
assim pode desaparecer a qualquer momento, isto ocorre porque ele parece estar
situado no limite entre dois modos literários, são estes o realismo mágico e o
maravilhoso. Assim, ao optar por uma ou outra “verdade”, o fantástico acaba
diante dos olhos do leitor e do personagem, podendo tomar outros rumos
(TODOROV,1992).
Ainda na concepção de Todorov, o fantástico é identificado essencialmente
pela “hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais face a
um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1992, p. 31). Sendo assim,
o fantástico ocorre na realidade tal qual o leitor a conhece, não ocorrendo uma
transição da mente para um lugar inusitado e imaginário (JOB e LIMA, [s.d.])[1]. Ele simplesmente o surpreende
quando este se depara com um mistério repentino invadindo a sua realidade vivenciada,
ou seja, fugindo a lógica do senso comum vigente.
Logo,
o fantástico tem por finalidade o levantamento de falsas hipóteses, levando o personagem a duvidar de sua realidade, mas não proporciona
nada mais do que incertezas, ele “faz da falsidade o seu próprio objeto, o seu
próprio movil” (CHIAMPI, 1980, p.56).
Entende-se por realismo mágico ou realismo maravilhoso, por sua vez, como
tudo o que é sobrenatural, mas que é aceito com muita naturalidade. Podemos
dizer que ele possui duas visões do mundo opostas, sendo uma normal ou natural
que nada mais é do que a nossa própria realidade assim como a conhecemos e a
sobrenatural, ou seja, algo fora de nossa realidade racional e que mesmo assim
no realismo mágico é aceito como se fizesse parte da vida real.
Ao
contrário do fantástico, o realismo mágico não busca causar o estranhamento do
leitor, desalojando qualquer efeito de medo ou terror perante o insólito. No
lugar do estranhamento, da ilusão e da dúvida “coloca o encantamento com um
efeito discursivo pertinente à interpretação não-antitética dos componentes
diegéticos. O insólito, em óptica racional, deixa de ser o “outro lado”, o
desconhecido, para incorporar-se ao real: a maravilha é (esta) (n)a realidade”
(CHIAMPI,1980 p.59).
Assim,
tudo o que poderia causar estranheza e mistério é aceito com naturalidade no
realismo mágico. Seres, objetos e mesmo eventos não exigem o deciframento do
leitor, pois fazem parte daquele âmbito. Isto significa que a narrativa do
realismo mágico não tem a intenção de tornar-se verídica aos olhos do leitor,
ela não busca a credibilidade para os fatos descritos, trabalhando com aspectos
que se diferem ao que é concebido como humano.
Mas só se pode considerar uma obra como
realismo mágico se esta não obtiver explicações baseadas na religião e/ou na
ciência que a torne explicável e justificável, ganhando assim, certa
credibilidade por meio de tais explicações e/ou justificativas. Se tais fatos
ocorrerem e os aspectos da obra se tornarem verossímeis aos olhos do leitor,
ela não será considerada realismo mágico, de acordo com Job e Lima ([s.d.]).
Podemos
observar diante deste prisma que o realismo mágico não causa o desconcertamento
das personagens ou do narrador quando estes se deparam com o insólito, porque
ele propõe um “reconhecimento inquietante” do mundo consistindo em trazer o
“segredo” que foi dissimulado e ocultado pela repressão da racionalidade.
Assim, ele supera a ficção fantástica que privilegia a leitura
individualizante, pois visa tocar a sensibilidade do leitor como um ser
coletivo, ampliando através desta coletividade da leitura, os horizontes
culturais e a esfera de contato social do leitor.
A
narrativa realista-maravilhosa permite conhecer os fatos que não foram
explorados antes, recuperando assim marcas perdidas e esquecidas da história
dos povos. Através do realismo mágico, podemos vestir uma “lente mágica” para
nos possibilitar ver os outros significados de uma verdade que antes era única,
refletindo assim sobre as razões do insólito num dado universo lógico e
racional.
Logo,
podemos perceber que no realismo mágico a questão do insólito não é nem mesmo
posta em questionamento, pois ele a aceita com naturalidade não dependendo mais
de uma relação obrigatória de causa e seu efeito, não existe assim, a incerteza
já que os eventos insólitos, ou seja, considerados irreais fluem naturalmente.
Entrevista com o Vampiro sob a lente “mágica”: o insólito presente
na obra de Anne Rice
O livro Entrevista com o Vampiro,
da escritora Anne Rice, relata o encontro de um vampiro, Louis de Point du Lac,
que será entrevistado, com o repórter Daniel Malloy, que fará a entrevista, em
um fim de noite em
São Francisco. Ao iniciar a entrevista, o repórter pensa que
Louis de Point Du lac está zombando dele, pois Du Lac narra fatos acontecidos há
mais de duzentos anos. Contudo, ao longo da entrevista, o repórter começa a se
sentir completamente atraído pelo homem que está a sua frente e que revela ser imortal.
Ao longo da narrativa, pode-se perceber uma série de acontecimentos aos
quais se podem denominar de insólito, como, por exemplo, quando Louis revela ao
repórter que é um vampiro. Ou seja, o repórter pensa ter diante de si um homem
igual a ele e, no entanto, ao revelar sua verdadeira condição – no caso, de
vampiro –, tem-se um acontecimento insólito, isto é, um acontecimento que foge
às regras do ‘natural’. Diante da revelação, embora no primeiro momento o
repórter se mostre assustado, ele logo começa a se sentir naturalmente atraído
pelo ‘estranho’.
─ Então
sente-se. Vou acender a lâmpada.
─ Pensei que os vampiros não gostassem de luz ─ Comentou o rapaz ─ Mas caso ache que a escuridão pode ajudar a criar uma atmosfera...
─ Pensei que os vampiros não gostassem de luz ─ Comentou o rapaz ─ Mas caso ache que a escuridão pode ajudar a criar uma atmosfera...
Então,
parou de falar. O vampiro o observava de costas para a janela. O rapaz não
conseguia tirar nenhuma informação daquela expressão mas, ainda assim, havia
algo no vulto quieto que o perturbava. Começou novamente a tentar falar, mas
não disse nada. E então viu, com alívio, que o vampiro se dirigia a mesa e
apertava o interruptor.
A sala
foi imediatamente invadida por uma desagradável luz amarela. E o rapaz, fitando
o vampiro, não pode deixar de engolir em seco. Seus dedos bailaram novamente pela mesa
agarrando a borda.
─ Meu
Deus! ─ Murmurou, fitando, sem fala o vampiro.
O vampiro
era incrivelmente branco e suave, como se tivesse sido esculpido em osso
decorado. Seu rosto parecia tão inanimado quanto uma estátua, exceto pelos dois
olhos verdes e brilhantes que examinavam o rapaz atentamente, como se fossem
chamas saindo de um crânio. [...]. O rapaz estremeceu, levando a mão como se
quisesse se proteger de uma luz poderosa. [...].
─ Agora, ainda quer a entrevista? ─ Perguntou
o vampiro.
A boca do
rapaz ficou aberta, sem emitir nenhum som. Balançava a cabeça. Depois disse:
─ Quero.
(RICE, 1992, p. 11-12).
Observa-se, nesta passagem, que primeiro existe o estranhamento do
personagem humano para com o sobrenatural, contudo o ‘estranhamento’, se é que
este é o melhor termo, é momentâneo que nem chega a sensibilizar o leitor.
Talvez, por isso, poder-se-ia dizer que é mais surpresa do que estranhamento o
que o repórter sente. Consequentemente, passada a surpresa, o vampiro é logo
aceito e eles prosseguem a entrevista como se nada tivesse acontecido, como se Louis fosse mais
uma pessoa normal que lhe concede uma entrevista e não um vampiro. O fato de o
personagem ser um vampiro somente causa um leve espanto, mas não é visto como
loucura do inconsciente do repórter, ele é aceito, como se no mundo realmente
pudesse existir vampiros.
Por
este motivo, pode-se considerar estes acontecimentos insólitos como
pertencentes ao realismo mágico, visto que no realismo mágico, segundo Chiampi
(1980), é o outro lado que é exposto ao
ser humano e este o aceita com facilidade sem questionar os fatos, fazendo com
que a maravilha então se torne a realidade.
Quando Louis já está
discorrendo a respeito de sua vida de mais de duzentos anos, compreende-se que
até mesmo para o vampiro a crença no mundo sobrenatural foi aceita
naturalmente. A partir da mordida, ele foi seduzido e
convidado a viver neste novo cenário que fugia a sua realidade, ele aceita sua
condição, isto é, de ter se tornado um vampiro, pois considera que seria
inevitável este acontecimento, afinal não havia outra escolha, visto que estava
completamente encantado por Lestat, o vampiro que o mordera.
─ Então decidiu se
tornar um vampiro? ─ Perguntou.
O vampiro ficou calado
por um momento.
─ Decidi. Não parece a
palavra exata. Apesar de não poder dizer que, a partir do momento em que ele
penetrou naquele quarto, isto tivesse se tornado inevitável. Não, realmente,
não era inevitável. Mas não posso dizer que decidi. Deixe-me dizer que, quando
terminou seu relato, nenhuma outra decisão me parecia possível e segui meu
destino sem olhar para trás. Exceto num momento.
─ Exceto num momento?
Qual?
─ Meu último alvorecer
─ Disse o vampiro ─ Naquela manha, eu ainda não era um vampiro. E vi meu último
alvorecer. (RICE, p. 21, 1992).
Percebe-se então, que o
vampiro deixou sua condição de humano para tornar-se um ser da noite, não
questionando a existência do outro lado, simplesmente aceita o insólito por se
julgar encantado pelo ser extraordinário que o abordou em um momento de
melancolia. E esta visão do personagem também pode ser confirmada no trecho a
seguir, onde Louis conta ao repórter que após a morte do irmão, o maior de seus
desejos era ser intensamente amaldiçoado, pois acreditava ser culpado pela
morte dele:
Encarava o fato de me
tornar um vampiro sob dois aspectos: o primeiro era mero encanto. Lestat me
conquistou em meu leito de morte. Mas o outro aspecto era meu próprio desejo de
autodestruição. Ansiava por ser intensamente amaldiçoado. (RICE, 1992, p.23)
Percebe-se que Louis é um
vampiro muito ligado aos sentimentos humanos e no decorrer da narração este
fato é confirmado pelas suas descrições das inúmeras paixões que viveu e as
decepções por saber que algumas eram impossíveis por conta de sua natureza, remetendo-se
uma mistura intensa de amor e ódio, para com o mundo, para consigo mesmo e para
os seus iguais:
─ Não sei se me
obedeceu ou não, mas se arremeteu como uma seta enquanto eu me aproximava de
Babette. Seu rosto era uma mistura de fúria e decisão. Ela disse:
─ Vade retro, Satanás.
E permaneci ali,
frente a ela, mudo, simplesmente envolvendo-a com meu olhar, com a mesma força
que ela me envolvia. [...] Seu ódio por mim me queimava como fogo. (RICE, 1992.
p.68)
Os conflitos de Louis acompanham
o leitor durante toda a narrativa, pois ele remete à ideia de que é um ser
sobrenatural que sofre com as mesmas dores que os humanos, mas de forma ainda
mais intensa por ser um vampiro:
─ Naquele momento, compreenda, senti por Babette um
desejo de comunicação, superior a qualquer outro que já havia experimentado...
exceto do desejo físico de... sangue. [...]. Para Babette eu era um monstro.
Isto para mim era horrível e teria feito qualquer coisa para que ela
abandonasse tal sentimento. (RICE, 1992. p.69)
Durante muitas outras
passagens perturbadoras de amor e ódio, com uma mistura de fascinação que vai
envolvendo tanto o leitor, quanto o repórter, Louis rompe com muitos mitos
acerca dos vampiros, como, por exemplo, o fato de não suportarem crucifixos e
alho, fazendo com que o sobrenatural aproxime-se do real, mas sem ganhar
explicações verossímeis que poderiam desclassificar a obra como pertencente ao
realismo mágico.
─ Sim? ─ disse o
vampiro. ─ Sinto não estar permitindo que faça muitas perguntas.
─ Ia perguntar,
rosários tem cruzes, não é?
─ Oh, o boato das
cruzes! ─ o vampiro riu. ─ Refere-se a termos medo de cruzes?
─ De serem incapazes
de olhar para elas, pensei ─ disse o rapaz.
─ Absurdo, meu amigo,
puro absurdo. Posso olhar o que quiser. E gosto bastante de olhar para
crucifixos, em particular. ( RICE, 1992.
p. 29)
E também, acerca do ato de
matar, de como é a sensação de matar para um vampiro, rompendo, assim, também,
com o mito de que qualquer espécie de mordida teria o poder de transformar um
humano em vampiro:
─ O ato de matar não é
um ato comum ─ Disse o vampiro ─ A gente não se satisfaz simplesmente com o
sangue do outro.
Sacudiu a cabeça.
─ Certamente trata-se
do fato de experimentar uma outra vida e, as vezes, de experimentar a perda
desta vida através do sangue, lentamente. (RICE, 1992. p. 35)
Todas as reflexões
intensas a qual o vampiro submete o repórter e o leitor, remete à ideia de um
mundo sobrenatural inserido na realidade vivenciada – tanto do repórter quanto do leitor que vai se
tornando fascinante a cada nova aventura .
Ao termino de toda a fantástica história de sua
vida, o repórter já não consegue descrer que tal história não foi real, ele acredita
veemente na existência desta nova realidade e fascinado por Louis implora para
que ele o morda:
─ O quê? ─ perguntou baixo. O
quê?
─ Dê-me isto! ─ disse o rapaz, a mão direita
se fechando, o punho batendo no peito. ─ Transforme-me agora num vampiro![...]
─ Não sabe como é a vida humana!
─ disse, quase em lágrimas. ─ Esqueceu. Nem compreende o significado de sua
própria história, o que significa para um ser humano como eu. [...] ─
Imploro... dê mais uma chance a si próprio. Mais uma chance, em mim! ─ disse o
rapaz. (RICE, 1992. p.307).
Percebe-se então que além de aceitar o insólito, o
rapaz deseja também experimentar desta nova realidade, ele quer fazer parte da
maravilha, assim como o vampiro Louis, acreditando ser este um privilégio.
Tal fato comprova que a obra da escritora Anne Rice
pode se enquadrar de maneira efetiva nos acontecimentos insólitos pertencentes
ao realismo mágico.
Considerações finais
A partir de nosso objetivo de analisar o livro Entrevista com o Vampiro (1992), a constatação a que chegamos ao final do processo de análise é de que o livro
apresenta alguns acontecimentos insólitos. Tais acontecimentos podem ser
considerados como pertencente ao realismo mágico, pois no decorrer da narrativa,
analisamos a presença de fatos que apresentam uma realidade alternativa do
mundo, onde vampiros podem sim existir e conviver entre os humanos. Misturando,
assim, a realidade, tal qual a conhecemos, com um mundo sobrenatural sem que
exista distinção de ambas e/ou que se busque uma explicação religiosa e/ou
científica para a mesma.
Referências
AIDAR, José Luiz & MACIEL, Márcia. O
Que é Vampiro – Coleção Primeiros Passos. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1988.
CHIAMPI, Irlemar. O realismo Maravilhoso. São
Paulo, Perspectiva:1980.
FURTADO, Filipe. A construção do fantástico na
narrativa. Lisboa: Horizonte Universitário,
1980.
GARCÍA, Fávio et al. O insólito na narrativa ficcional:
questões de gênero literário – o Maravilhoso e Fantástico. Disponível em:
<http://www.flaviogarcia.pro.br/textos/doc/o_inso
lito_na_narrativa_ficcional.pdf>. Acesso em: 20 agosto 2012.
RICE, Anne. Entrevista com o vampiro. Rio de
Janeiro: Rocco, 1992.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica.
São Paulo: Perspectiva, 1992.
[1] JOB, Sandra Maria e Lima, Sumaya Machado. Do Insólito e do Maravilhoso na construção
cinematográfica n’a lenda de Beowulf. Este
texto está em fase de publicação e foi gentilmente cedido pela profª Sandra Job para a produção desse artigo.
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