Resenha: Reunião de família — Lya Luft

Espelho: O grande jogo de sentidos na Obra de Lya Luft

Lya Luft[1], gaúcha formada em pedagogia e letras, começou escrevendo crônicas para jornais como o Correio do Povo. Tornou-se professora universitária de linguística e também trabalhou como tradutora de autores renomados como Virginia Woolf, mas não parou somente nas crônicas, escrevendo também poesias e romances, dentre eles o livro Reunião de família.

Aparentemente simples este livro trata de questões do dia-a-dia, composto por frases curtas e precisas, mas nem por isto menos interessante, conta a história de Alice, pacata dona de casa que tem de deixar sua vida comum por todo um final de semana a fim de se reunir com a família, a pedido de sua cunhada Aretusa, para discutirem sobre a loucura de Evelyn, irmã de Alice que perdeu em um acidente seu único filho, Cristiano. Ela finge que o menino está vivo, mas não deixa isto explícito, segurando sempre um palhaço nos braços que era o brinquedo favorito do menino.

No decorrer deste encontro familiar as personagens vão deixando lembranças sombrias virem à tona, assim o ambiente da casa do professor torna-se ainda mais confuso e sufocante. Este encontro acaba sendo o momento ideal para que os personagens permitam que suas aflições sejam libertadas e todas as mágoas que existe em cada um deles revela o avesso do que normalmente aparentam ser.
Isto remete ao leitor pensar de onde estaria vindo todo aquele clima que agia bruscamente sobre os personagens e o jogo de espelhos que Alice costumava brincar quando pequena parecia estar se tornando realidade, pois ela imaginava existir outra Alice dentro do espelho, uma Alice destemida e corajosa. Criava um mundo de fantasias só dela, mas uma rachadura naquele espelho grande que ficava sobre a mesa da sala de jantar parecia estar deixando aquelas pessoas do espelho, aqueles estranhos escaparem e se tornarem reais.

Este ápice pode ser percebido no momento em que todos a mesa revoltam-se e começam a discutir, colocando para fora tudo o que lhes incomodava. Até mesmo Evelyn e Alice acabam discutindo. Teria aquela rachadura deixado escapar o outro lado? Esta impressão é marcada pelo pensamento de Alice que diz “Espio rapidamente meu reflexo no espelho, aquela não é a pacata dona-de-casa, é uma mulher má, cara cortada ao meio pela rachadura do vidro”. (LUFT, 1982, p.104)
O mais curioso é que Lya Luft brinca com os sentidos em seu livro, o espelho, como podemos perceber faz referencia ao verdadeiro eu que cada um dos personagens esconde da sociedade. Outro fato é o álamo decepado no quintal da casa que apesar de não possuir mais uma copa parecia ter suas raízes ainda mais vivas do que antes, quebrando a calçada da casa, ele faz referencia direta ao menino morto, que também teve parte de si decepado, virando apenas um pedaço de menino, o que dá a entender que Cristiano ainda vive nas raízes da árvore. O palhaço, sua simbologia na literatura desde os tempos antigos é o inverso do rei, pois existe o rei que é o supremo e o bobo que ao rei diverte. Logo, isto nos remete a pensar que Cristiano era o rei da casa, único que conquistara até mesmo a afeição do professor e o palhaço era Cristiano morto, o qual Evelyn embalava gentilmente como se fosse o filho.
Os personagens de Lya parecem acomodados, ela realmente retrata a vida em família como ela é. O leitor fica a espera de uma reação, de uma solução para aquela situação de pânico, de horror e aflição, mas esta não vem. Demonstrando que muitas vezes nós realmente deixamos as coisas como estão. Esta aceitação a uma vida sem muitos objetivos, como a da personagem Alice é a vida de muitas pessoas oprimidas, que por falta de outra opção simplesmente aceita seu destino. Alice quer se convencer que sua vida é boa, como quando diz:

A essa altura, o pior passou: as dúvidas, as inquietações, encobertas pelas paradas águas da rotina. Sou apenas uma dona-de-casa, vida exclusivamente doméstica, marido e dois filhos que já são quase homens e nunca me deram preocupação. (LUFT, 1982. p.11)

Tudo isto torna a leitura de Reunião de família muito interessante podendo fazer com que o leitor ame, ou odeie o desfecho final. Particularmente gostei do livro, porém penso que houve algumas ideias mal desenvolvidas sendo deixadas subentendidas, o que tornou a leitura um tanto confusa. Luft deixa os leitores curiosos, pensando que finalmente iria acontecer algo que mudasse tudo aquilo, mas não. Tudo continua normal e aquele se torna somente mais um final de semana em família o que me causou certa frustração. Em suma, é um excelente romance que explora a percepção dos leitores para conseguir entender as mensagens nas entrelinhas.



[1] Biografia de Lya Luft disponível em: http://www.releituras.com/lyaluft_bio.asp

2 comentários:

  1. Oii Lê. Achei o livro bem interessante. Em relação autora querer demostrar aquela face das pessoas que escondem para que não descubra quem é de verdade. Isso é bem legal, só que pra entender tem que ter bastante atenção. E só de imaginar o final já me frustei também, teria que ter uma explicação ou um finalmente é isso. Mas não vamos críticas sem nem ao menos conhecer. No mais, adorei a resenha. Xoxo

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  2. pois é amiga, mas mesmo assim, é um livro muito legal s2

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